Texto: Elias Cavalcante (@eliacavalcante).
Andava distraído pelas ruas do bairro onde nasci quando um sujeito alto e magro me deu um aceno. Parei diante da padaria e ele veio vindo, sorridente: “Elias, seu vagabundo!”. Elias sou eu, vagabundo, há controvérsias. Olhei bem pro rosto dele e, pum, lembrei: era o Meleca. Estava de mãos dadas com a esposa, que certamente não sabia que, para nós, ele não era Carlos, Eduardo ou Marcelo.
Acontece que o sujeito ali na minha frente já não era mais o moleque que jogava bola comigo e bebia Itubaína quente no fim da tarde. Agora era um homem casado, pagador de boletos, desses que vão à missa no domingo. A antiga alcunha já não caía bem. Mas esse carma nacional, essa herança maldita da infância, insistia em vir primeiro na memória, e o nome de batismo do Meleca me fugia completamente.
Fui empurrando a conversa, falando das coisas que duas pessoas falam quando não se veem há muito tempo: quem morreu, quem sumiu, quem apareceu no Datena. Fiquei sabendo que o Santo Amaro (chamavam assim porque o pai dele um dia saiu dizendo que ia pra Santo Amaro e nunca mais voltou) tinha morrido num assalto. E o Pirata (chamavam assim porque lhe faltava um olho) agora morava em Florianópolis e era pastor numa dessas igrejas moderninhas com nome em inglês.
Quando a conversa já caminhava para aquele fim meio capenga, típico de reencontros casuais, o Meleca me olhou com uma curiosidade que não vinha ao caso e perguntou o que eu andava fazendo da vida. Pergunta traiçoeira. Parece ampla, existencial, mas na verdade quer saber só do trabalho. Respondi que trabalhava com publicidade. Ele assentiu, indiferente. E aí, do nada, o desgraçado me mira de cima a baixo, faz um cálculo silencioso e dispara: “Deve ser por isso que você tá com pouca telha, né? Publicidade deve ser estressante.”
Eu, ainda tentando lembrar o nome do sujeito, e ele, em segundos, inventando um apelido novo pra mim.
Foi bom te ver, Meleca.
Tamo junto, Pouca Telha.
Abraço.











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